A imprensa está sendo asfixiada pelas big techs e tem gente acreditando que trocar neurônios por robôs vai resolver essa equação. Não vai.

A imprensa está sendo asfixiada pelas big techs e tem gente acreditando que trocar neurônios por robôs vai resolver essa equação. Não vai.

Julho 31, 2025 0 Por Redação

 

 

Por: Cristine Gentil / I’Max

Um dos meus chefes, Flávio Morsoletto, o grande cara por trás da tecnologia do I’Max, compartilhou um artigo incrível comigo. Conta um case interessante lá de maio, ainda muito atual: “o Chicago Sun-Times e o Philadelphia Inquirer publicaram um suplemento especial produzido externamente, contendo fatos, especialistas e títulos de livros, inteiramente inventados por um chatbot de IA”. Ganhou ampla repercussão na época. Um trecho do artigo de Dan Sinker me chamou muito a atenção:

“O que mais me desanima é como, a cada passo, ninguém se importou. O escritor não se importou. Os editores do suplemento não se importaram. Os executivos de ambos os lados da venda do suplemento não se importaram. A equipe de produção não se importou. E o fato de que levou dois dias para alguém descobrir essa cagxda épica na versão impressa significa que, no final das contas, o leitor também não se importou. É muito emblemático do momento em que vivemos, a Era Quem se Importa, em que coisas completamente descartáveis são produzidas de forma precária para as pessoas ignorarem.”

Na Era do Quem se Importa, as pessoas produzem conteúdos para que as outras absorvam “enquanto fazem outras coisas”, criam podcasts para que os outros ouçam em velocidade maior que a normal, estão permanentemente ocupadas produzindo desimportâncias em série. E ninguém vai consumir verdadeiramente o que está sendo produzido. Imagina isso em uma escala compatível com a IA generativa? O triste é que há muita informação excelente disponível, mas profundamente prejudicada pelo excesso de todo o resto.

A meu ver, não estamos economizando tempo. Porque tempo é energia. Há muita gente gastando mais tempo investigando como economizar tempo com a IA do que de fato produzindo alguma coisa decente com IA. Eu não sou contra o uso de inteligência artificial. Muito pelo contrário. Todos temos que dominar as ferramentas tecnológicas para liberar espaço no nosso HD e na nossa rotina. Mas também questiono a quantidade de lixo produzido com este tempo que está “sobrando” (?).

Nós, jornalistas, queremos produzir o quê e para quem? Queremos gerar reflexão, causar emoção, buscar conexão, investigar a realidade, criar contexto, fiscalizar o poder público, indignar a sociedade, denunciar desigualdades, provocar mudanças? A verdade é que estamos, no momento, mais preocupados em sobreviver.

A imprensa está sendo asfixiada pelas big techs (aqui tem um resumo excelente do Guilherme Ravache) e tem gente acreditando que trocar neurônios por robôs vai resolver essa equação. Não vai. E, no fim do dia e das contas, estaremos mais exaustos e mais lascados de grana.

Nada que presta no jornalismo vem da velocidade 2.0, do copia e cola, de 10 telas abertas simultaneamente. São necessários tempo e investimento para um bom trabalho jornalístico. Sei que não estou contando uma novidade. Existe uma infinidade de artigos científicos, ensaios acadêmicos, reportagens e perfis que dão conta de nos alertar para a superficialidade, o plágio e mesmo a falsidade dos conteúdos que circulam. Mas a lembrança vale para buscarmos o que contradiz isso tudo.

Atualmente, no meu trabalho, eu lido com sonhos. E acredita que eles estão pagando boletos? Não idealmente, mas estão. Tem gente vivendo de jornalismo independente. Com dificuldade, com batalhas diárias, lutas perdidas e vencidas, mas estão. Muitos outros estão beirando a desistência, buscando resgates, segurando o leme com o resto de suas forças.

Continuo entrevistando e convivendo virtualmente com publishers de todo o Brasil, integrantes do projeto Mais Pelo Jornalismo, iniciativa do I’Max. Na teoria, o MPJ entrega infraestrutura tecnológica gratuita para portais de notícias independentes e reuni-los em uma grande rede de apoio, para buscar novos modelos tecnológicos, métricas e soluções de financiamento que não passem pelo filtro das big techs. Na prática, a palavra mais importante é acolhimento.

Trata-se de uma missão hercúlea, tem demorado e esgotado mais recursos do que o previsto, mas estamos todos lidando com o sonho de manter publicados projetos próprios que levaram um tempo razoável de gestação e de maturação.

A idealizadora do projeto e CEO do I’Max, Fernanda Lara, tem dedicado todo o seu tempo ao projeto. Patrocinou bolsistas para o 20º Congresso da Abraji e esteve com eles no evento. Foi uma troca riquíssima. Dividiu o palco com Alline Dauroiz, integrante do projeto, que falou sobre jornalismo regenerativo, que será objeto de um curso na ESPM.

Também com Angelo Batecini, publisher do São Marcos Online, que completou 15 anos de jornalismo independente migrando seu site para o Mais Pelo Jornalismo. O primeiro do projeto a ser publicado. Estamos orgulhosos até aqui, mas a ansiedade é gigante. O nosso universo é de 1.000 projetos jornalísticos apoiados.

O nosso sonho exige tempo e não será o tempo da IA. Nunca. Usamos IA há muito tempo no I’Max, mas garanto que ela não nos distrai. Seguimos com leituras, estudos, debates, escuta dos publishers, personalização dos projetos.

Acredito de verdade que nunca houve um tempo em que sonhar fosse tão necessário. Não há nada mais revolucionário do que parir as próprias ideias. Um prompt não cria um sonho, não capta aquele embrião mais primário que você gerou lá no comecinho, não entrega um produto que vai te orgulhar verdadeiramente. Mas, se bem planejado, o sonho se concretiza no tempo certo. Sejamos sempre vigilantes para não cairmos na armadilha de correr atrás de tudo a toda hora. O que precisamos agora é correr na frente, abrir caminhos e trazer gente boa junto.

Publishers bolsistas no Congresso da Abraji com parte da equipe I’Max: esse pessoal aí segue sonhando!