
A Leitura como Ferramenta de Proteção e Evolução para Jovens Autistas
Outubro 10, 2025
Por Aderlan Angelo Camargo – Delegado de Polícia e Autista
O desenvolvimento do hábito da leitura é, sem dúvida, um dos instrumentos mais poderosos no processo de evolução pessoal e social de um jovem autista. A leitura não apenas amplia o vocabulário e o repertório cultural, mas também possibilita o contato com diferentes formas de pensar, sentir e agir — algo fundamental para quem, como nós autistas, tende a perceber o mundo de modo literal, lógico e objetivo.
Por meio da literatura, especialmente das obras de ficção, o autista entra em contato com nuances do comportamento humano que, muitas vezes, lhe escapam no convívio cotidiano. Personagens bem construídos revelam ironias, dissimulações, estratégias de manipulação, sentimentos ambíguos e intenções ocultas — aspectos que fazem parte do repertório social dos chamados neurotípicos. Com o tempo, o leitor autista começa a compreender que a linguagem humana vai muito além do que é dito de forma explícita. Aprender a decifrar entrelinhas é, nesse sentido, um ato de autodefesa e amadurecimento.
Costumo dizer que vivemos em um mundo que nem sempre valoriza a sinceridade. A franqueza, que é natural para muitos autistas, por vezes é interpretada como ingenuidade ou fraqueza. A leitura, ao expandir nossa percepção sobre o comportamento humano, nos prepara para lidar com essa realidade. Ela nos ensina a observar, analisar, questionar e compreender as motivações por trás das ações. Assim, o autista leitor se torna menos vulnerável à malícia alheia e mais consciente de suas próprias emoções e reações.
Mesmo para aqueles que escolhem caminhos profissionais voltados às áreas exatas — destino comum entre autistas com altas habilidades —, a leitura continua sendo uma ferramenta essencial de formação humana. O domínio da linguagem, da interpretação e da empatia é indispensável em qualquer profissão e, sobretudo, na vida em sociedade.
Na minha trajetória pessoal, tanto como autista quanto como Delegado de Polícia, percebo com clareza como a leitura foi fundamental para meu desenvolvimento. Ela me ajudou a compreender pessoas, interpretar contextos, e sobretudo, manter a sensibilidade sem perder o senso de justiça. Entender a mente humana é parte essencial do trabalho policial — e é também uma forma de proteger-se do sofrimento que nasce do não entendimento do outro.
Portanto, ler bons autores é mais do que um exercício intelectual: é um ato de fortalecimento pessoal. É por meio dos livros que o jovem autista desenvolve empatia, raciocínio social, e capacidade de se proteger num mundo que nem sempre é acolhedor para quem enxerga a vida de maneira sincera e direta.
A leitura é, em suma, um instrumento de liberdade. Ela não apenas forma o cidadão, mas também ensina o autista a navegar entre verdades, intenções e emoções — com conhecimento, discernimento e humanidade.








