Adultização precoce, cyberbullying e a resposta urgente do Congresso

Adultização precoce, cyberbullying e a resposta urgente do Congresso

Agosto 21, 2025 0 Por Redação

 

 

Por Rodrigo Alessandro Ferreira, Policial Civil e fundador do @rafcyber

Agradeço ao Portal Timbó Net por abrir novamente este espaço de diálogo. Escrevo movido por uma inquietação que não cabe mais no silêncio: a exposição precoce e inadequada de crianças nas redes sociais. O tema, conhecido como “adultização precoce”, ganhou força recente após a mobilização provocada por um vídeo do influenciador Felca. O que parecia um debate restrito à internet virou um espelho do nosso tempo: curtidas como bússola, audiência como recompensa, infância como moeda.

No centro da discussão está um risco que, como policial civil e educador digital, vejo com frequência: imagens “inofensivas” podem ser recortadas, descontextualizadas, remixadas e usadas de forma criminosa. A superexposição também cria um terreno fértil para humilhações, perseguições e chantagens. Não é teoria. É rotina de delegacias, escolas e famílias que tentam entender onde, exatamente, a rede virou armadilha.

A reação ao vídeo foi imediata. Plataformas removeram perfis com conteúdos considerados abusivos e o assunto transbordou a bolha digital. Houve, ainda, a promessa pública de destinar parte da monetização a instituições de proteção à infância. Até aqui, porém, paira uma lacuna: não há informações oficiais consolidadas sobre valores e comprovação documental desses repasses. Esse ponto não deslegitima a mobilização, mas reforça algo que defendo para qualquer campanha online — transparência é pilar de credibilidade.

Da indignação à política, o passo seguinte veio rápido: a Câmara dos Deputados aprovou, ontem (20/08), em regime de urgência, um projeto de lei para enfrentar a adultização de crianças nas redes. É um avanço simbólico e concreto. Mas leis, sozinhas, não mudam culturas. Precisam caminhar com políticas públicas consistentes, com formação continuada para profissionais da educação, com diretrizes claras para plataformas e com apoio real às famílias na linha de frente.

A adultização precoce tem um elo direto com o cyberbullying. Quando a infância vira conteúdo, a criança vira alvo. Uma foto “engraçada”, um vídeo “ousado” ou uma “trend” mal interpretada rapidamente se convertem em munição para ataques. O rastro digital não some: ele gruda na pele social do estudante, atravessa o pátio, a sala de aula e o grupo de mensagens, e pode desencadear quadros de ansiedade, depressão e isolamento. Combater a adultização é, portanto, também prevenir o cyberbullying.

Na prática, proteção não se resume a filtros ou termos de uso. Ela começa na presença adulta qualificada. Pais e responsáveis precisam olhar para além da tela, acompanhar interações, orientar escolhas e, sobretudo, ensinar limites. Escolas devem discutir segurança digital sem moralismo e sem tabu, incorporando o tema aos projetos pedagógicos e criando uma cultura de escuta onde alunos se sintam seguros para falar. Plataformas, por sua vez, têm dever ético de agir com agilidade diante de denúncias e de preservar evidências quando a lei assim exigir.

Também é papel de todos nós denunciar conteúdos suspeitos. Canais como o Disque 100 e a SaferNet permanecem essenciais. No Estado de Santa Catarina, a Polícia Civil dispõe do Sistema Único de Denúncias (SUD), e dentro dele existe o canal específico Denúncia Escola, voltado justamente para situações de bullying, violência e outras ocorrências no ambiente escolar. Nas investigações, cada alerta responsável evita que um caso avance uma casa na escada do dano. No @rafcyber, tenho reiterado: prevenir também é proteger — e prevenir é, antes de tudo, educar.

O episódio envolvendo o vídeo do Felca revelou duas verdades que precisam caminhar juntas. A primeira: a mobilização social tem força para quebrar a inércia e acender luzes onde havia omissão. A segunda: sem transparência, sem políticas duradouras e sem mudança de comportamento no cotidiano das famílias e das escolas, a energia do momento se dissipa. A infância não pode depender do trending topic do dia.

Se as redes aceleram problemas, também podem acelerar soluções. Que o passo dado no Congresso (o texto volta para nova análise do Senado) não seja um fim, mas um começo — o início de uma cultura de cuidado que recoloque crianças e adolescentes no lugar que lhes é de direito: o de serem protegidos, educados e respeitados em sua condição de pessoas em desenvolvimento. Entre monetizações e métricas, que prevaleça o óbvio: proteger a infância é inegociável. E proteger, aqui, é também impedir que a violência digital encontre terreno.


Rodrigo Alessandro Ferreira | Bullying e Cyberbullying
Policial em Santa Catarina
linktr.ee/rafcyber