
Autismo: Da Invisibilidade ao Reconhecimento – A Jornada de um Delegado Autista
Julho 3, 2025
Por Aderlan Angelo Camargo, Delegado de Polícia Civil, autista, pai de uma criança autista e Casado com uma Autista.
Agradeço ao jornal pelo espaço concedido para tratar de um tema que me atravessa por inteiro: o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Escrever sobre autismo, neste caso, não é um exercício teórico ou acadêmico, mas uma partilha de vida. Falo como quem convive com o autismo dentro de casa, ao lado de um filho autista nível 2 de suporte, e também como alguém que recebeu o diagnóstico tardiamente, já na vida adulta.
Sou Delegado de Polícia Civil em Santa Catarina há nove anos, atualmente atuando na Delegacia da Comarca de Timbó. Antes disso, fui advogado por mais de uma década no Paraná. Minha trajetória, marcada por barreiras silenciosas e superações constantes, ganhou nova luz quando, em 2023, após a observação sensível de uma psicóloga que atendia meu filho, fui incentivado a investigar se também estaria dentro do espectro.
A resposta veio em 2023, com o diagnóstico feito por uma psiquiatra. Em 2024, busquei confirmação por meio de extensa avaliação neuropsicológica. Ambas as profissionais foram categóricas: sou autista.
O diagnóstico, embora tardio, trouxe sentido a experiências passadas. Explicou a solidão da infância, as dificuldades escolares (reprovei quatro vezes durante a educação básica), a inabilidade para compreender interações sociais e até mesmo meu hiperfoco em algumas atividades — que, curiosamente, acabou sendo decisivo para minha aprovação em concursos públicos.
Receber o diagnóstico, no entanto, me levou a um novo dilema: deveria eu tornar isso público? Seria seguro expor minha condição em uma sociedade ainda carregada de estigmas? Haveria riscos à minha credibilidade profissional?
A resposta veio com o tempo — e com o propósito. Já com uma carreira consolidada, elogios e homenagens recebidas na Polícia Civil, compreendi que o silêncio não protegia, apenas perpetuava o preconceito. Tornar minha condição pública passou a ser uma forma de enfrentamento e, sobretudo, de conscientização.
Vivemos em um país onde ainda predomina uma visão estreita sobre o autismo. Muitos associam o transtorno exclusivamente à infância ou aos casos mais severos. Pouco se fala dos autistas adultos, das mulheres autistas subdiagnosticadas, da importância da inclusão no mercado de trabalho, na educação e nos concursos públicos — áreas em que muitas vezes a exclusão se disfarça sob o manto da “normalidade”.
O autismo não tem rosto único, não possui uma “aparência padrão”, e sua presença no serviço público, nas instituições, nas delegacias, nas salas de aula e em tantos outros espaços é não apenas um direito garantido por lei — como preconizado pela Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015) e pela Lei 12.764/2012 (Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista) — mas também uma riqueza para a sociedade.
Pessoas autistas carregam formas singulares de perceber o mundo, de processar informações, de resolver problemas. Muitos de nós possuem foco acima da média, senso de justiça apurado, compromisso ético e uma dedicação extrema ao que acreditam. Quando esses talentos são reconhecidos e respeitados, o resultado é um ganho coletivo.
Por isso, tornar o autismo visível, especialmente em figuras públicas, é uma forma de abrir caminhos para os que ainda vivem na sombra. É uma forma de dizer a outras pessoas que elas não estão sozinhas, de mostrar que é possível construir uma trajetória sólida mesmo enfrentando dificuldades invisíveis.
É também, e talvez principalmente, um ato político no melhor sentido do termo: o de lutar por uma sociedade mais justa, onde a diversidade humana seja reconhecida não como problema, mas como potência.
Mais do que contar minha história, desejo que este artigo sirva como convite à empatia, à escuta e ao conhecimento. Que ele ajude a derrubar muros de preconceito e construa pontes de inclusão. O autismo não é uma sentença de limitação, mas um modo de ser — e como todo modo de ser, merece respeito.
A partir desta edição, iniciarei uma série de publicações periódicas neste portal (semanais ou quinzenais), nas quais abordarei temas ligados ao autismo sob múltiplas perspectivas — pessoais, profissionais, jurídicas e sociais. Que este seja o início de um diálogo contínuo e necessário.
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