Ignorância deliberada e autismo: o silêncio que exclui

Ignorância deliberada e autismo: o silêncio que exclui

Agosto 27, 2025 0 Por Redação

 

 

Por Aderlan Angelo Camargo – Delegado de Polícia e Autista

Aprendi, tanto na vida pessoal quanto na minha trajetória como delegado, que existe um tipo de ignorância mais duro do que a simples falta de conhecimento: a ignorância deliberada. É quando a pessoa sabe que existe uma realidade, mas escolhe não enxergar porque isso incomoda, exige mudança ou retira a sensação de conforto.

No autismo, esse comportamento é frequente. Eu mesmo, diagnosticado já na vida adulta, convivi por anos com olhares que preferiam me rotular como antisocial, em vez de tentar entender minhas dificuldades. Hoje, como pai de uma criança autista, percebo que a mesma postura continua acontecendo: muitas vezes não é que a sociedade não saiba, mas sim que não quer saber.

É mais fácil acreditar que um aluno não aprende porque não tem interesse, do que admitir que a escola não está preparada. É mais simples tratar a seletividade alimentar de uma criança como “frescura”, em vez de buscar orientação adequada. É mais cômodo, para um empregador, alegar que “não tem vaga” para autistas, do que repensar pequenas adaptações no ambiente de trabalho.

Essa ignorância deliberada tem consequências reais: exclui silenciosamente. Ela não se manifesta com gritos, mas com portas que não se abrem, oportunidades que não chegam, e diagnósticos que não são compreendidos.

Como delegado, vejo diariamente o impacto que a falta de compreensão causa na vida das pessoas. Muitas situações de conflito poderiam ser evitadas se houvesse mais preparo, mais escuta e menos julgamento. Quando a sociedade escolhe não ver, ela também escolhe reproduzir injustiças.

Combater a ignorância deliberada exige coragem. Coragem de rever práticas antigas, de aceitar que talvez tenhamos falhado até aqui e de aprender com aquilo que antes preferíamos ignorar. Para isso, não basta apenas informação — é preciso empatia ativa, aquela que transforma conhecimento em atitude.

O autismo não precisa de piedade, mas de reconhecimento e respeito. A decisão de enxergar é coletiva. Ou continuaremos a repetir o silêncio que exclui, ou escolheremos, enfim, o olhar que inclui.

 

Aderlan Angelo Camargo – Delegado de Polícia e Autista